sábado, 30 de maio de 2015

A Europa viveu em 2014/15 a temporada menos emocionante dos últimos 20 anos

Para quem gosta de criticar a “falta de emoção” dos pontos corridos, as brigas pelo título na atual temporada europeia deram vários argumentos. Doze campeões nacionais garantem vaga direta na fase direta da Liga dos Campeões. Todos eles foram definidos com pelo menos uma jornada de antecedência. O último a coroar-se foi o Galatasaray. Num final de campanha que se desenhava eletrizante na Turquia, com os três arquirrivais de Istambul na luta, os Leões acabaram comemorando do sofá de casa. Após vencerem o clássico contra o Besiktas no domingo, contaram com o empate do Fenerbahçe nesta segunda para ficar com o troféu.
Obviamente, as jornadas finais não servem só para definir a taça, mas o marasmo em geral na principal disputa é impressionante. Os campeonatos de todos os 15 primeiros colocados do ranking de países da UEFA terminaram antecipadamente. Considerando o Top 20, Romênia e Chipre são as únicas exceções. Já no Top 30, excluindo os torneios com calendário de janeiro a dezembro, só mais a Polónia pode ter o campeão conhecido nos últimos instantes, restando três rondas para o encerramento. Ou seja, das 26 principais ligas que encerram a temporada 2014/15 na Europa neste mês, somente três tiveram ou podem ter o vencedor definido na jornada final. E isso é pouco, muito pouco.
Olhando as tabelas dos oito principais campeonatos europeus da atualidade (Espanha, Inglaterra, Alemanha, Itália, Portugal, França, Rússia e Holanda), é preciso voltar até 2006 para encontrar um ano em que os campeões saíram antes da última ronda. E, mesmo assim, se outros países entrarem na conta, o panorama nem é tão radical assim: há nove anos, os vencedores de ligas de médio porte (como Turquia, Ucrânia e Bélgica) foram definidos apenas no desfecho das competições. Desde 1994/95, quando o sistema de três pontos por vitória se tornou comum pelo mundo, os atuais 12 primeiros colocados no ranking de países da UEFA tiveram pelo menos um título por temporada decidido na jornada final. Números que só servem para ressaltar como o caso de 2014/15 é excecional.

A falta de emoção nas oito grandes ligas
Obviamente, o fato de um campeonato de pontos corridos terminar ou não na última ronda depende de uma série de circunstâncias. Não há um padrão que explique. Se nenhuma das principais oito ligas teve o campeão na última jornada em 2006, a situação foi praticamente inversa em 2010: somente os vencedores do Francesão e do Portuguesão não saíram no último compromisso. No entanto, é possível perceber uma tendência.
Dos últimos 80 campeões nacionais nestes países, 24 saíram na jornada decisiva. Só que isso aconteceu 17 vezes até 2009/10 e apenas sete vezes desde então. Ao longo dos últimos cinco anos, apenas a Premier League teve mais de um título conquistado na 38ª ronda: ambos do Manchester City, em 2012 e 2014 – e, mesmo assim, somente o “milagre de Agüero” teve realmente uma pitada de emoção. Enquanto isso, a Bundesliga e a Serie A não são definidas nos instantes derradeiros desde 2010. Neste sentido, é possível perceber um pouco mais de padrão. Destes 24 campeões nas últimas jornadas, oito nunca haviam conquistado um título nacional ou viviam jejuns de pelo menos dez anos: Manchester City, Atlético de Madrid, Wolfsburg, Stuttgart, Montpellier, Bordeaux, Twente e Zenit. Enquanto isso, só seis campeões nas mesmas condições se consagraram por antecipação. Em boa parte das vezes, as conquistas das surpresas vêm de jeito mais sofrido. Basta olhar para as forças hegemónicas de cada país para ver.
Somente um dos seis títulos do Bayern desde 2006 não veio por antecipação. Também uma entre as cinco taças do Manchester United e uma de quatro do Chelsea na Premier League desde então. Já na Itália, das últimas cinco conquistas da Juventus (incluindo também a de 2005/06, anulada pelo Calciopoli), nenhuma acabou definida na última ronda. Assim como aconteceu ao longo do tricampeonato do Paris Saint-Germain na França. E na Espanha, onde Barcelona e Real Madrid quase sempre sobram, somente dois dos últimos nove títulos dos gigantes tiveram briga até a rodada final. Para quem domina sempre, é mais fácil sobrar na tabela e terminar o serviço antes.

O dinheiro, sempre ele
Tantos números acabam levando para uma mesma direção: a crescente falta de equilíbrio entre os campeonatos europeus. Por mais que Premier League e Bundesliga sejam vistas como exemplos de divisão das cotas de TV, é muito difícil de competir com o potencial comercial de Bayern de Munique e Manchester United, ou de ter o financiamento de Chelsea e Manchester City. Ao longo dos anos, os gigantes ficam cada vez mais gigantes. Os balanços financeiros ajudam a dimensionar esta expansão. Em 2005/06, o Real Madrid era o clube mais rico do mundo, com receita de € 292 milhões – 3,4 vezes mais que o Benfica, 20º colocado no ranking da Football Money League, feito pela consultoria Deloitte. Os merengues permaneceram na primeira posição, batendo os € 549 milhões, em crescimento de 88% de suas receitas em dez anos. Todavia, são 3,8 vezes maiores que o Everton, atual 20º na lista.
O boom económico dos grandes clubes ajuda a cristalizar ainda mais as dominâncias. Se Valencia, Deportivo de La Coruña e Atlético de Madrid saíram campeões na Espanha entre 1996 e 2005, nos últimos dez anos nove taças acabaram com Real ou Barça. Já na Alemanha, o Bayern faturou 12 de seus 24 títulos da Bundesliga desde 1997. E o dinheiro também atrapalha a competitividade de ligas mais equilibradas. Na Inglaterra, só quatro equipas ergueram a taça desde 1996, contra oito nos 20 anos anteriores. Da mesma maneira como os três grandes da Itália não ficaram com a taça só duas vezes desde 1992, número batido logo nos cinco anos anteriores. Conjunções diferentes, que quase sempre convergem aos cofres.
Mais um sinal disso? Basta olhar de uma maneira geral para as ligas “monótonas” desta temporada, especialmente para as de porte médio, nas quais o dinheiro da TV e dos acordos comerciais são bem menores. Dos 24 campeões por antecipação citados no início do texto, apenas seis não disputaram a Champions ou as suas fases preliminares em 2014/15: PSV, Dynamo Kiev, Partizan, Videoton, Gent e Trencin. Apenas os dois últimos podem ser considerados reais surpresas, considerando a força histórica de Dynamo, PSV e Partizan, assim como o desempenho recente do Videoton na Hungria.
Nestas ligas menores, participar na fase de grupos da Champions pode valer muito. Como bem demonstram Viktoria Plzen e Bate Borisov nos últimos anos. O caminho dos campeões deu oportunidade a clubes que, no formato antigo da competição, não conseguiriam ir tão longe. E formou uma “casta” entre os pequenos do continente. O mesmo acontece com clubes como Basel, Celtic, Dinamo Zagreb e Apoel, que se aproveitam dos sucessos continentais para estabelecer ainda mais o domínio nos seus países.

Motivo para preocupação?
É claro que não dá para fazer nada que garanta um campeonato de pontos corridos que dure até a última rodada. Entretanto, diante da evidente relação entre as hegemonias e a falta de competitividade, o único a tentar se remediar é a falta de equilíbrio nos campeonatos. O problema é que, no negócio gigantesco que se tornou o futebol, estabelecer um teto salarial é mera utopia. E tentar controlar os gastos excessivos, como o Fair Play Financeiro promete, não tem sido totalmente funcional.
As medidas ao alcance das ligas são mais simples, e nem sempre eficazes: a melhor distribuição do dinheiro da televisão e os impedimentos para que magnatas comecem a investir a esmo nos clubes. Nada que barre, no entanto, o domínio do Bayern de Munique na Alemanha, por exemplo. Diante das possibilidades económicas, a tendência é que a competitividade diminua. Com menos gente no pelotão da frente, fica mais fácil de alguém conseguir se distanciar. É uma questão matemática, independente do futebol.
Portanto, não estranhe se cada vez mais as jornadas finais das principais ligas europeias tiverem o campeão definido bem antes. Assim como em 2006, o fenómeno deste ano é uma exceção. Mas que, diante de todo o contexto, demonstra uma tendência. Um grande choque de realidade para expor ainda mais o desequilíbrio evidente.

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