sexta-feira, 6 de julho de 2018

Nem Mourinho, nem Guardiola: Mundial mostra a influência de Jurgen Klopp no futebol atual

por Leonardo Miranda

"As coisas fundamentais acontecem quando o tempo passa". O trecho é de "As Time Goes By", canção eternizada no clássico Casablanca, de 1942. Humphrey Bogart e Ingrid Bergman se amam, mas o tempo faz com que não fiquem juntos. No Mundial 2018, o tempo também apronta das suas. O futebol jogado mostra que Guardiola e Mourinho estão ficando para trás. E um novo nome surge como mentor do jogo: Jurgen Klopp.
A periodicidade do Mundial sempre fez do torneio um celeiro de novidades. As seleções apresentam conceitos vindas dos clubes dominantes nos seus países ou continentes nos 4 anos que se passam. A Holanda de 1974 foi fruto de um Ajax tri-campeão europeu anos antes. Há pelos menos 3 Campeonatos do Mundo, o jogo é regido pelas ideias de dois técnicos muito especiais: José Mourinho e Pep Guardiola. Eles ganharam tudo nos seus clubes - apesar de não terem dirigido seleções.
Mas as suas ideias foram remodeladas. Repensadas. Simeone, Zidane e Ancelotti foram alguns dos técnicos que ajudaram a fundar um outro ciclo. Klopp surge como o principal expoente desse novo ciclo. Um futebol meio doido, sempre a mil por hora. Mais "rock'n roll" que ópera clássica. Primeiro, vamos entender as contribuições de Mou e Pep ao jogo:

Mourinho: a revolução do jogo pelo controle do espaço
Mourinho é o expoente da chamada periodização tática. O conceito abole os famosos coletivos e treinos em caixa de areia. Os trabalhos passam a ser intensos e curtos, com um objetivo: copiar o jogo. É uma inversão da famosa frase "treino é treino e jogo é jogo". A parte tática, técnica e física começou a ser trabalhada de forma integrada, em uma sessão de treino. Tudo para estimular um jogo mais rápido e inteligente, que seguisse princípios e não apenas encaixasse talentos - o famoso modelo de jogo. Sabe a intensidade que Tite tanto cita nos treinos? Vem daí.
O Mundial de 2006 é exemplo da influência do português. O espaço para jogar encolheu consideravelmente. Mourinho entendeu que a região de maior proteção era a entrada da área, o chamado funil. A linha de defesa fechava aquele espaço, com extremos e médios defensivos voltando junto aos laterais. Se antes as equipas se espalhavam em 30 ou 40 metros, o jogo passou a acontecer em 20 metros. A Itália ganhou o Mundial com um futebol de extrema compactação, e a seleção mais contemporânea do torneio era a Alemanha: sem líbero e fechando seu campo em coisa de 15 metros, como na imagem.
A linha de defesa da Alemanha no Mundial 2006  
O futebol é um grande jogo de consequências. Se uma equipa vence de uma maneira, seus adversários começarão a estudar e pensar em novas maneiras de bater aquela ideia dominante. A revolução metodológica de Mourinho provocou um aumento considerável na velocidade do futebol. Se seu adversário está encolhido em 15 metros, é preciso ter movimentações rápidas, que abram espaços para jogar. A Premier League, conquistada por Mourinho em 2006 e 2007, se consolidou como um campeonato de transições e "loucura". O camisola 10 desapareceu: não havia mais como um jogador como Riquelme passar tanto tempo com a bola. Era preciso tocar e passar rápido. Quanto mais rápido, melhor.

Guardiola: a revolução do jogo pelo controle da bola
Todas as mudanças de Mourinho têm como objetivo controlar os espaços de jogo. Foi Pep Guardiola quem inverteu a lógica: passou a dominar a bola. Seu Barcelona tocava de forma tão rápida e organizada que o adversário simplesmente não a tinha. Sabe a obsessão pela posse de bola? Surgiu daí. A grande novidade de Pep foi resgatar o jogo de posição. O Barcelona ocupava espaços de forma a garantir que todos os jogadores tivessem opções de passe. E também garantia que, a cada passe, o adversário "saísse" do lugar, quebrando aquela linha de andebol que Mourinho planeara.
Havia outro detalhe tático no Barcelona. E ele acontecia sem a bola. A periodização tática melhorou a preparação física dos jogadores. O jogo ficou mais veloz, e começou a exigir jogadores mais inteligentes, rápidos em tomadas de decisão. O Barcelona só conseguia ficar com a bola porque exercia uma marcação muito intensa e sufocante ao perder a bola. É o chamado "pressing", como você vê na imagem. Ter mais e mais jogadores pressionando e sufocando. Se recupera a bola, alarga o campo e volta a ocupar espaços para trocar de passes.

Klopp: controle? o mais importante é fazer mais golos
O "pressing" do Barcelona contra o Santos em 2011 
O ano era 2013. Guardiola iria assumir o Bayern ao fim da temporada. Mourinho estava no seu último ano no Real. Mas quem chegou na final da Champions League foi o Borussia de Jurgen Klopp. Havia naquela equipa alguns detalhes que pareciam moldados para vencer Mourinho e Guardiola. Não é por acaso que Klopp ostenta uma marca impressionante: tem mais vitórias contra os dois.
  Klopp contra Mourinho: 3 vitórias, 1 empate, 1 derrota
   Klopp contra Guardiola: 7  vitórias, 1 empate, 5 derrotas
Para entender a importância de Klopp neste Mundial, é preciso entender o que ele apresenta às duas filosofias. Primeiro, Klopp ensinou que aproveitar os espaços quando o adversário perde a bola era incrivalmente eficiente. O "pressing" era executado por Guardiola, mas as suas equipas tocavam para trás. Klopp foi o principal destruidor da teoria da posse de bola: recupera e parte de forma fulminante ao ataque, sem dó algum. Nada de construir ou atender a ideia do "jogo de posição". Foi assim que Klopp destroçou o City de Guardiola na Champions League desse ano, num movimento que ficou apelidado de "Gegenpressing".
A pressão fulminante do Liverpool num jogo da Premier League
Se hoje Tite fala em "perde-pressiona" nas suas conferências de Imprensa, é porque Klopp ensinou que roubar a bola perto do golo e acelerar a partir daí era fundamental. As seleções no Mundial também gostam de roubar a bola mais à frente, como a França. Assim nasceu o golo de Mbappé que eliminou o Peru: Pogba retoma, toca e a equipa toda faz o movimento de correr e atacar o espaço.
Klopp influenciou o futebol ao mostrar que se pode atacar equipas que sufocam e querem ficar com a bola. A consequência foi que as equipas precisavam cada vez mais de construir as jogadas de forma rápida, saindo dessa pressão. Guardiola, Mourinho e muitos outros se adaptaram. A melhor resposta veio do Real Madrid de Zidane: fluidez, muita movimentação e um jogo pensado para deixar os atacantes mais à vontade. Talento perto da defesa, totalmente bloqueada como o Irão fez neste Mundial.
O técnico reinterpretou a necessidade de combater as defesas influenciadas por Mourinho com um novo modo de defender. O Liverpool fazia os mesmos movimentos de proteger o funil, mas não se defendia com 10 jogadores. Apenas 7 voltavam. O trio composto por Salah, Mané e Firmino ficava esperando contra-ataques, prontos para pegar a bola e aproveitar os espaços. Klopp mostrou que era possível ter uma defesa compacta e eficiente com menos jogadores se houvesse muita pressão e velocidade nos movimentos.
Defesa do Liverpool
Um dos detalhes táticos do Liverpool era um trio de médios defensivos que "balançava" pro lado da bola, com o intuito de criar a chamada superioridade numérica por aquele setor. O movimento é frequente no mundial. Abaixo você vê a Tunísia se defendendo assim, com uma linha de cinco na defesa. Mas equipas com uma linha de quatro também fizeram o mesmo que Klopp no Liverpool: todo mundo "balança" pro lado da bola, sufoca o adversário e tenta roubar essa bola pra emendar um contra-ataque.
Tunísia jogando como andebol
Defesa, posse de bola...a influência de Klopp nas seleções não para por aí. O jogo está cada vez mais veloz e é jogado em menos espaços. Logo, abre-se uma lacuna imensa para o contra-ataque. Não é por acaso que a Bélgica, adversária do Brasil, tem o melhor ataque desse Mundial. Pelo menos 3 golos foram feitos em jogadas de contra-ataque onde há uma movimentação tão intensa como o Liverpool tinha: rouba a bola, movimenta pra desequilibrar e chega ao ataque com muita gente.
Harry Kane é o artilheiro do torneio com 6 golos, e logo atrás dele estão avançados-centro fortes, mas com mobilidade. São os pivôs: jogam de costas, preparam bolas e seguram defesas para que um espaço seja aberto. Não é por acaso que Firmino, treinado por Klopp, peça passagem na seleção pela capacidade de sair da área e fazer golos como 9 matador. O golo de Mbappé contra a Argentina é um bom exemplo desse avançado-centro à lá Firmino no Liverpool.
Steve Jobs disse que a criatividade é a arte de conectar ideias. Nada do que você leu se caracteriza em uma revolução, ou algo inédito, totalmente novo. Muitas vezes o novo é uma reinvenção do passado com temperos do presente. Mas o futebol é feito de ciclos, se reinventa e muda o tempo todo. Nem Guardiola, Mourinho ou o casal de Casablanca conseguiram a eternidade. Hora do futebol se render à passagem de bastão para Jurgen Klopp como grande influenciador do jogo contemporâneo.

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