por Leonardo Miranda
"As coisas fundamentais acontecem quando o tempo passa". O trecho é de "As Time Goes By", canção eternizada no clássico Casablanca, de 1942. Humphrey Bogart e Ingrid Bergman se amam, mas o tempo faz com que não fiquem juntos. No Mundial 2018, o tempo também apronta das suas. O futebol jogado mostra que Guardiola e Mourinho estão ficando para trás. E um novo nome surge como mentor do jogo: Jurgen Klopp.
A
periodicidade do Mundial sempre fez do torneio um celeiro de novidades. As seleções apresentam conceitos vindas dos clubes dominantes nos seus
países ou continentes nos 4 anos que se passam. A Holanda de 1974 foi
fruto de um Ajax tri-campeão europeu anos antes. Há pelos menos 3 Campeonatos
do Mundo, o jogo é regido pelas ideias de dois técnicos muito especiais:
José Mourinho e Pep Guardiola. Eles ganharam tudo nos seus clubes -
apesar de não terem dirigido seleções.
Mas
as suas ideias foram remodeladas. Repensadas. Simeone, Zidane e Ancelotti
foram alguns dos técnicos que ajudaram a fundar um outro ciclo. Klopp
surge como o principal expoente desse novo ciclo. Um futebol meio doido,
sempre a mil por hora. Mais "rock'n roll" que ópera clássica. Primeiro,
vamos entender as contribuições de Mou e Pep ao jogo:
Mourinho
é o expoente da chamada periodização tática. O conceito abole os
famosos coletivos e treinos em caixa de areia. Os trabalhos passam a ser
intensos e curtos, com um objetivo: copiar o jogo. É uma inversão da
famosa frase "treino é treino e jogo é jogo". A parte tática, técnica e
física começou a ser trabalhada de forma integrada, em uma sessão de
treino. Tudo para estimular um jogo mais rápido e inteligente, que
seguisse princípios e não apenas encaixasse talentos - o famoso modelo
de jogo. Sabe a intensidade que Tite tanto cita nos treinos? Vem daí.
O Mundial de 2006 é exemplo da influência do português. O espaço
para jogar encolheu consideravelmente. Mourinho entendeu que a região de
maior proteção era a entrada da área, o chamado funil. A linha de
defesa fechava aquele espaço, com extremos e médios defensivos voltando junto aos
laterais. Se antes as equipas se espalhavam em 30 ou 40 metros, o jogo
passou a acontecer em 20 metros. A Itália ganhou o Mundial com um futebol
de extrema compactação, e a seleção mais contemporânea do torneio era a
Alemanha: sem líbero e fechando seu campo em coisa de 15 metros, como na
imagem.
Guardiola: a revolução do jogo pelo controle da bola
Todas
as mudanças de Mourinho têm como objetivo controlar os espaços de jogo.
Foi Pep Guardiola quem inverteu a lógica: passou a dominar a bola. Seu
Barcelona tocava de forma tão rápida e organizada que o adversário
simplesmente não a tinha. Sabe a obsessão pela posse de bola? Surgiu
daí. A grande novidade de Pep foi resgatar o jogo de posição. O
Barcelona ocupava espaços de forma a garantir que todos os jogadores tivessem
opções de passe. E também garantia que, a cada passe, o adversário
"saísse" do lugar, quebrando aquela linha de andebol que Mourinho
planeara.
Havia
outro detalhe tático no Barcelona. E ele acontecia sem a bola. A
periodização tática melhorou a preparação física dos jogadores. O jogo
ficou mais veloz, e começou a exigir jogadores mais inteligentes,
rápidos em tomadas de decisão. O Barcelona só conseguia ficar com a bola
porque exercia uma marcação muito intensa e sufocante ao perder a bola.
É o chamado "pressing", como você vê na imagem. Ter mais e mais
jogadores pressionando e sufocando. Se recupera a bola, alarga o campo e
volta a ocupar espaços para trocar de passes.
Klopp: controle? o mais importante é fazer mais golos
Klopp contra Mourinho: 3 vitórias, 1 empate, 1 derrota
Klopp contra Guardiola: 7 vitórias, 1 empate, 5 derrotas
Para
entender a importância de Klopp neste Mundial, é preciso entender o que
ele apresenta às duas filosofias. Primeiro, Klopp ensinou que aproveitar
os espaços quando o adversário perde a bola era incrivalmente
eficiente. O "pressing" era executado por Guardiola, mas as suas equipas
tocavam para trás. Klopp foi o principal destruidor da teoria da posse
de bola: recupera e parte de forma fulminante ao ataque, sem dó algum.
Nada de construir ou atender a ideia do "jogo de posição". Foi assim que
Klopp destroçou o City de Guardiola na Champions League desse ano, num
movimento que ficou apelidado de "Gegenpressing".
Klopp
influenciou o futebol ao mostrar que se pode atacar equipas que sufocam e
querem ficar com a bola. A consequência foi que as equipas precisavam
cada vez mais de construir as jogadas de forma rápida, saindo dessa
pressão. Guardiola, Mourinho e muitos outros se adaptaram. A melhor
resposta veio do Real Madrid de Zidane: fluidez, muita movimentação e um
jogo pensado para deixar os atacantes mais à vontade. Talento perto da
defesa, totalmente bloqueada como o Irão fez neste Mundial.
O
técnico reinterpretou a necessidade de combater as defesas
influenciadas por Mourinho com um novo modo de defender. O Liverpool
fazia os mesmos movimentos de proteger o funil, mas não se defendia com
10 jogadores. Apenas 7 voltavam. O trio composto por Salah, Mané e
Firmino ficava esperando contra-ataques, prontos para pegar a bola e
aproveitar os espaços. Klopp mostrou que era possível ter uma defesa
compacta e eficiente com menos jogadores se houvesse muita pressão e
velocidade nos movimentos.
Harry
Kane é o artilheiro do torneio com 6 golos, e logo atrás dele estão avançados-centro fortes, mas com mobilidade. São os pivôs: jogam de costas,
preparam bolas e seguram defesas para que um espaço seja aberto. Não é
por acaso que Firmino, treinado por Klopp, peça passagem na seleção pela
capacidade de sair da área e fazer golos como 9 matador. O golo de Mbappé
contra a Argentina é um bom exemplo desse avançado-centro à lá Firmino no
Liverpool.
Steve
Jobs disse que a criatividade é a arte de conectar ideias. Nada do que
você leu se caracteriza em uma revolução, ou algo inédito, totalmente
novo. Muitas vezes o novo é uma reinvenção do passado com temperos do
presente. Mas o futebol é feito de ciclos, se reinventa e muda o tempo
todo. Nem Guardiola, Mourinho ou o casal de Casablanca conseguiram a
eternidade. Hora do futebol se render à passagem de bastão para Jurgen
Klopp como grande influenciador do jogo contemporâneo.
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